quinta-feira, 12 de março de 2009

Saramago auxilia a nos encontrarmos

José Saramago é escritor e teatrólogo português. Formado em jornalismo, o poeta e romancista que atualmente tem 86 anos, contribuiu de forma grandiosa para o reconhecimento da literatura portuguesa em âmbito internacional. Ganhador do Prêmio Camões em 1995 – que é o mais importante prêmio destinado a autores de língua portuguesa – e do Prêmio Nobel de Literatura em 1998, Saramago é o autor de uma das mais marcantes obras sobre os defeitos da humanidade, intitulada Ensaio Sobre a Cegueira.
O romance, descrito pelo próprio escritor como “um conto filosófico”, demorou quatro anos para ficar pronto, desde a idéia – em 1991 –, até sua finalização – em 1995. As muitas atividades de José e a complexidade da história que visava criar dificultaram bastante o andamento do trabalho. O autor admite que o resultado não foi exatamente como imaginou, mas transmitiu aquilo que queria. Para conseguir escrever o seu texto, Saramago teve que fazer mudanças e encontrar a alma dos personagens.
O livro, traduzido para diversas línguas, é narrado na terceira pessoa e utiliza discursos indiretos livres, que dão ao contexto maior dinâmica. Nesses discursos, José Saramago faz uso de vírgulas e letras maiúsculas, respectivamente ao final e ao início das frases, para diferenciar as falas dos personagens. Não há o uso de pontos quando a idéia é transmitir diálogo. Para melhor entendimento dou os seguintes exemplos encontrados na obra em questão: “[...] Muito obrigado, desculpe o transtorno que lhe causei, agora eu cá me arranjo, Ora essa, eu subo consigo, não ficaria descansado se o deixasse aqui [...] Em que andar mora, No terceiro [...] Quer que o ajude a abrir a porta, Obrigado, isso eu acho que posso fazer”.
O foco narrativo não é o único fator marcante do conto de Saramago. O escritor não situa o seu texto em espaço algum; trata-se de uma história que pode acontecer em qualquer lugar, pois as características locais são generalizadas e não há especificação. Lendo o livro percebemos que a história se passa numa cidade moderna, mas pode ser Lisboa, Nova York, Rio de Janeiro ou qualquer outra do mundo. Outro ponto importante é o tempo, que também não é determinado pelo autor. Mas a presença de tecnologias como o semáforo e os veículos, no início do texto, nos faz situar a história a partir do século XX, quando tais objetos passaram a ser utilizados.
Através das características até agora citadas, percebemos que a tão famosa obra enquadra-se na escola literária pós-moderna. José Saramago é um escritor realista, que de forma subjetiva faz crítica ao império da imagem. É muito interessante perceber como ele desenvolve essa crítica, representando a realidade – difícil de ser aceita - na ficção. O autor tem uma preocupação de alertar para o lado obscuro da humanidade, as pessoas são egoístas, mesquinhas, individualistas. Os personagens não têm nome, mas são completamente humanos.
O conteúdo do livro de José é digno de aplausos. O autor consegue entrar no psicológico humano e mostrar que nós, homens e mulheres, somos superficialmente civilizados, porque no interior, a essência de cada um de nós é cruel. Fingimos nos preocupar com o próximo, mas estamos sempre falhando, o eu na grande parte das vezes prevalece sobre o outro. A valorização e a superexposição de imagens é, na verdade, um jeito de não nos enxergarmos. Vivemos num mundo onde imagem é tudo, tudo mesmo. Tanto, que só ela importa. Não nos conhecemos. Vemos, mas não enxergamos.
Com uma história marcada por guerras e injustiças, a humanidade vive agora o apogeu da imagem. Mas as pessoas, diante de tantas provas e fatos, não conseguem ver aquilo que realmente acontece. A cegueira branca sobre a qual conta o livro é, na verdade, a visão humana. As pessoas não estão cegas, mas não conseguem ver. Não vêem nada. Não existe um olhar crítico, piedoso, solidário. As evidências dos erros humanos estão de baixo dos nossos narizes e não conseguimos enxergar. Criticamos os outros, que muitas vezes não sabemos sequer quem são, mas somos igualmente maus, porque sabemos o que acontece e como, e deixamos de lado. Não damos importância, não olhamos de verdade para as situações. Muitas vezes, agimos da pior forma possível e nos sentimos no direito de apontar e falar de algo que fazemos e não percebemos. Estamos todos contagiados pela cegueira branca de Saramago. Como ele diz em seu livro, somos “uma coisa que não tem nome”. Aprendemos tudo, menos aquele que é o mais importante mandamento da Bíblia – que a propósito muitos alegam seguir –, “amar ao próximo como a si mesmo”.
O que o sensacional autor descreve em seu livro é a barbárie, causada pela epidemia de branqueamento da visão. Sem as aparências, que é aquilo que as pessoas conseguem ver, a civilização acaba, as pessoas mostram finalmente o seu pior lado, que é o que determina a maioria das ações.
José tenta resgatar a bondade humana, procura abrir os olhos de seus leitores para a realidade em que vivemos. Tenta mostrar "a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam". Quando as pessoas finalmente se reconhecem, se descobrem, elas voltam verdadeiramente a enxergar.Saramago não é o único autor que fala do comportamento humano, do olhar indiferente em relação ao outro, da capacidade de cometer atrocidades visando fins muitas vezes bárbaros. Livros como Feras De Lugar Nenhum, de Uzodinma Iweala, e Caçadores de Pipa, de Khaled Hosseni, abrangem temas que demonstram as fraquezas e crueldade humanas, e até que ponto os homens são capazes de chegar devido a elas. Mas de todos os livros que li, O Ensaio Sobre a Cegueira, é o que mais se aprofunda nessa questão. É o que reflete melhor o que vivemos. Impactante.

De Raíssa Mello

---------------------------------------------------------------------

Crítica literária desenvolvida para nota de Teoria Literária.

Nenhum comentário: